segunda-feira, 24 de setembro de 2007

PAUTAS DE OUTUBRO

LAPINHA/ LIBERDADE
Jordan - Feira do Japão
Priscila - Plano Inclinado


SÃO CRISTOVÃO
Priscila - Feira
Liz - Urbanização
Rachel - Escola Parque São Cristovão


RIO VERMELHO
Talita - Ceasa
Claudiana - Rio Camurugipe


CASTELO BRANCO
Ivani - Violência
Ísis - Escola Raimundo Gouveia
Aricelma - Acarajé da Mina


BAIXA DOS SAPATEIROS
Lucas - Transporte
Viviane - Moradores


PLATAFORMA
Artur - Igreja
Monique - Rádio comunitária
Lívia - Posto saúde


ORLA
Fagner - Barracas GLS / Boca do Rio

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terça-feira, 18 de setembro de 2007

Narrativas

Dando uma informação

Luís Ricardo Lima Barbosa

Cansado de esperar meu primo em meu apartamento, resolvi ir até a portaria do meu prédio, para poder ficar conversando com o porteiro, que é muito meu amigo e também, porque eu estava sozinho, e detesto ficar sozinho. Desci o elevador fazendo careta para a câmera de segurança, abri a porta e já sai gritando: “ Cole Luizão”, e ele já rebateu de cara: “ E aí meu brother”.
Em meio a nossa conversa corriqueira e as diversas piadas que fizemos a pessoas que passavam no local, ouvi uma buzina, e pensando que era o meu primo que já estava 50 minutos atrasado, pedi para que Luis abrisse a porta do prédio e já xingando reparei que aquele carro não era o do meu primo e sim uma pajero preta. Com vidros escuros percebi que tinha uma mulher de cabelos pretos e de óculos escuros dentro, que com gestos de mão me chamava insistentemente. Resolvi ir e ver o que aquela misteriosa mulher queria, querendo. Ela baixou o vidro e levei um susto, meu coração palpitou, eu meio que tremi e esbocei um sorriso discreto. Não eu não estava apaixonado. A tal mulher misteriosa era nada mais nada menos que Ivete Sangalo, a cantora. Com uma voz rouca e baixa ela me perguntou:
_ Bom dia! Essa aqui é a rua Arthur de Azevedo? Falou Ivete com uma voz rouca e baixa.
_ Sim, é essa aqui mesmo. Respondi meio nervoso.
_ Ok, e onde fica o sistema Fieb aqui?
_ Fica loco aqui em frente.
_ Ah! Então onde fica a portaria do Ed. Piazza?
_ Fica ali atrás, você tem que dar a volta e parar ali do outro lado.
_ Obrigado meu lindo. Falou Ivete fechando o virdo e arrancando com o carro.
Voltei feliz para contar o acontecido a Luiz, que já estava de butuca pela fresta da janela da portaria. E Falou: “ Que gata hein meu irmão”.
E eu repondi todo feliz: “ Era Ivetinha”.
Meu primo chegou e eu o contei o acontecido. Essa história se repetiu por mais trezentas vezes, pois a contei para todas as pessoas que se aproximavam de mim.





Viviane Damasceno Santos


Noite de véspera de feriado de São João enfrentei uma turbulenta viagem rumo à Alagoinhas. A rodoviária era um caos. Ônibus atrasados, passageiros tocando fogos em meio a população, pessoas bebendo, outras discutindo e inúmeras outras desgastadas de tanto esperar.
Sai antecipada de casa e com passagens compradas desde o dia anterior. Todo o cuidado se torna pouco quando o assunto é viajar no período do ano mais movimentado rumo aos interiores da Bahia. De nada adiantou. Chegando lá as 16:45 da tarde e com passagens para 17:30, sai de Salvador 21:50 e só cheguei em Alagoinhas meia noite.
Sem mais nenhum ônibus em circulação, a rua só tinha o porteiro de farda azul piscina, pançudo, com bigodão e outros “perdidos” como nós duas saindo da rodoviária de Alagoinhas. A cidade numa temperatura de 14°C, convenci minha mãe que a melhor escolha era pegar moto-taxi. Foram uns vinte minutos só de discussão. Ela que teme passeio de moto se mostrou irredutível. Com a testa franzina e ar de estressada repetiu inúmeras vezes que preferia ir de táxi ou pedir pra alguém nos buscar, já eu, apaixonada por motos e louca por aventuras, não hesitei em dá como única opção para nós, minha chance de cortar a neblina da madrugada que cobria aquela cidade pequena que se encontra entre serras. Enfatizei que a gente já iria importunar ao chegar tarde, imagina então se pedíssemos para alguém nos buscar. Ela como odeia incomodar, aceitou.
Fomos. Enquanto eu curtia e também congelava, minha mãe nada satisfeita e com medo, por pouco partiu o motoqueiro magrinho em dois de tanto apertar. Chegando lá na casa de parentes, ela já entrou resmungando do que tinha acontecido na Rodoviária e o que isso ocasionou: Ela, uma senhora de 57 anos, se prestando a isso, andar de moto num frio de “rachar”. Nem ela mesmo deve ter acreditado que foi capaz de ir, mas a sensação de andar de moto é inexplicável que supera qualquer medo. Depois que a tensão dela passou, ela até riu por canto de boca sobre o episódio, o que me fez crê, de que ela entendeu o sabor implacável da liberdade, mesmo que por uns minutos.




Nostalgia

Claudiana Silva


­-Lero-lero? Ah minha filha, era uma grande folia, foi criado por meus parentes mais antigo, acontecia todo...
- Não mãe deixa que eu falo, ara assim: no início, era pequeno, o desfile começava aqui na Vila Matos, tínhamos carroças, rainha, princesa...
- É elas eram escolhidas no dia da festa o por votação,
-Não mãe, quem escolhia eram os comerciantes que patrocinavam o bloco...
Um vizinho passa ouve a conversa e acrescenta: - grande, grande festa, o lero-lero era a sensação do Rio vermelho no 2 de fevereiro. Homens vestidos de mulher saiam todos pintados, o povo vinha de longe assistir...
Novamente a filha de D.Ainá interrompe: - hoje não, a rainha é escolhida no dia da festa e quem quiser participar é só pagar o carnê, bem baratinho, pode ser homem, mulher, criança... Todo mundo.
Vendo aquela algazarra de bocas frenéticas seu João decide se aproximar.
- O que? O lero? Ah, Tinha aquele sambinha, como era mesmo... E começa a cantar, o vizinho achando pouco, decide acompanha seu João na música, a filha de D Ainá continua, ou tenta continuar.
- olhe, funcionava assim como estou lhe falando, hoje as coisas estão diferente...
Neste momento todos ou quase todos já estão numa rodinha sambando e cantando às músicas do bloco, menos a filha de D. Ainá que me cutuca e insiste:
- É como uma prestação, você recebe o carnê e vai pagando todo mês, no dia da festa ela ganha a camisa...




A mesa ao lado

Rachel


O bar não tinha nome, nenhuma placa, só quem via o cardápio descobria se tratar de uma casa de crepes.
Sozinhas, as duas estavam sentadas à mesa, sentiam frio. Uma ainda vestia o abadá da festa em que todos estávamos horas antes, a outra deve ter passado em casa para se arrumar: seus cabelos estavam molhados, a roupa limpa, não tinha pensado, porém, em pegar um agasalho.
Passei a analisá-las.Quando não estavam batendo os queixos e esfregando as mãos discutiam animadamente os resultados da festa daquela tarde, e dividiam um único crepe, que pelo aspecto, era de frango com catupiry.
Foram abordadas por dois rapazotes. Eles se apresentaram e antes que elas pudessem esboçar qualquer vontade cada um deles escolheu uma preferida e se sentou ao lado.
As tentativas eram intermináveis. Ofereceram bebidas, tiraram a blusa do próprio corpo para aquecê-las, discursavam sobre o carro que possuíam, a casa em que moravam e seus bens materiais.
Não estavam agradando. Elas começavam a soltar frases que para eles significava a derrota “estou cansada”, “acho que já estamos indo”.
No desespero: Apelaram.
Declarações de amor eterno, mais bebidas, repetiam falas cheias de bordados que em geral reforçavam o quanto elas eram bonitas, inteligentes,maravilhosas indispensáveis.
Ainda assim não convenceram.
Uma delas tomou a iniciativa. Levantou-se de súbito, olhou para amiga e disse com firmeza: “Vamos?”. E elas foram.
Na mesa ao lado restaram dois rapazes, sem blusas que se entreolharam e trocaram, decepcionados um breve diálogo.
- É a do dedão não deu brecha mesmo.
- Nem me fala, pior foi eu não ter pego a gostosinha. Pior foi isso!




Lucas Rocha

Era início de mês e a fila do banco estava gigantesca por causa do pagamento dos aposentados. Todos estavam insatisfeitos naquela única agência da cidade de Palmas de Monte Alto, no interior do estado da Bahia, e começam a reclamar da demora no atendimento. Então, o pior aconteceu: o dinheiro acabou. A revolta das pessoas tornava-se maior a cada minuto. Neste momento, um funcionário demasiadamente nutrido pede às pessoas que forem efetuar depósito que vão direto à boca do caixa. Um jovem e inteligente garoto acabava de entrar no banco e ouvira as palavras do funcionário, indo assim direto à boca do caixa. Uma senhora desaforada saiu de seu lugar e foi reclamar com o inocente garoto.
- Meu querido, se você não sabe o final da fila é ali!- apontando para o fim da fila com o dedo indicador.
- Minha senhora, se eu quisesse informação pediria ao guarda, mas muito obrigado pela gentileza!- respondeu o garoto.
Depois disso a idosa começa a reclamar da juventude, junto a todos os seus amigos da mesma faixa etária. Porém o garoto venceu e saiu do banco sem demora, enquanto as outras pessoas continuam na espera.



O ônibus estava cheio como de costume. Não havia um dia em que o Brotas encontrava-se com lugares vagos para se sentar quando chegava ao ponto do Teatro Castro Alves no horário das 19h. Uma senhora magra e de idade avançada entra pela frente e encontra sentado no lugar que lhe é de direito por lei, um garoto de aparência juvenil. Ela começa a reclamar da situação de ela em pé e o garoto sentado.
- Parece que a mãe desses jovens não estão sabendo educá-los não. Esses moleques não respeitam ninguém, este lugar que é reservado para idoso, gestante e deficiente deveria ter um dos três sentados.
Neste momento o garoto levanta-se arrastando sua perna direita. E sede seu lugar para a idosa. Ela, constrangida, se desculpa e pede ao garoto que sente, recebendo como resposta.
-Não, obrigado, mas minha mãe me deu educação.




Priscila Alves Fontes Bastos


Em plena manhã de Sol no final de linha Sieiro há uma senhora que chega cedo para se reunir com amigas para culto na igreja ou algo deste tipo. Sempre com a sua bíblia na mão e muito animada. É possível avistar ao longe um homem de óculos escuros, que sempre está com estes óculos por sensibilidade a luz. Este já chega com muita descontração cumprimentado a senhora que parece mesmo ter simpatizado com ele.
Ao sentar ao lado dela eles começam a conversar e ele pergunta: “A senhora é feliz?”. Já conhecendo as brincadeiras dele a senhora se desmonta na risada e todos ao redor também.
Brian, como é conhecido, tira os papéis da mochila e começa a cantar, músicas antigas, mas que por sinal agrada a senhora, ela diz que com estas músicas lembra do seu primeiro namorado. Brian canta ocasionando mais risos no ambiente. Depois de muita cantoria Brian começa a folhear uma revista.
A senhora agora começa a falar de sua filha, que não tinha muita paciência e batia muito na menina! E agora vê a cena se repetir com a sua neta. Acha errado, mas nem se vê no direito de reclamar.
Brian relata que também apanhou muito quando criança, que tinha muitos irmãos e sempre pagava pelo erro dos outros.
A conversa se estende e sem notar a senhora acaba falando agora do seu pai, que ela gostava muito dele, apesar dele ser muito mulherengo. Conta que quando tinha oito anos foi levar café na vendinha do seu pai e lá estava ele com outra mulher. Assustada deixou o café no balcão e saiu correndo. Chegou em casa aos prantos, quando a mãe perguntou o motivo do choro ela disse que era dor de dente, mas como seu pai chegou em seguida, apesar de não declarar o real motivo, sua mãe percebeu. O tempo passou, seu pai faleceu e apesar disto ela declara gostar muito dele.
Brian atento a história, em seguida diz que o seu pai também era assim, desanimando a quem prestava atenção na conversa.
A senhora diz que já soube de muitos casos, mas que nunca falava aos envolvidos.
Engraçado mesmo foi quando ela contou que uma conhecida fez uma vaquinha com a família para tirar o marido da prisão, que ele prometeu ser fiel, mas quando saiu da prisão esqueceu da promessa.
Um senhor moreno, com uma voz firme presta atenção na conversa e acaba declarando que no interior que ele morava rolava até facada, conseguido uma gargalhada de Brian.
Falando do interior a senhora descobre que tem conhecidos lá também e que trabalhou no mesmo local que este homem.
Continuam a conversar e ele fala o nome de várias pessoas deste tal interior, mas a senhora o desaponta, todas as pessoas ela diz que já morreram, apesar das notícias de tristesa é possível rir muito da situação.




Aricelma Araújo dos Santos


Tudo aconteceu numa manhã de domingo,do mês de agosto. ,tempo chuvoso, com um guarda chuva, cheguei à feirinha de Castelo Branco por volta das 5h da manhã, objetivava ver o processo da montagem das barracas e encontrar logo com os feirantes para colher certas informações. Apesar de ainda ser muito cedo, algumas barracas já estavam sendo armadas. Caminhando pela rua, avistei algumas pessoas chegando com seu produtos, carros estacionados, estruturas de barracas espalhadas pelo chão, lonas, caixotes, pessoas idosas, crianças, jovens, gente de todo tipo.
Continuei caminhando, avistei um rapaz, funcionário da Vega, empresa responsável por fazer a limpeza da feira, ele contou que trabalha das 7h às 15h20, fazendo a varrição e a junção do lixo.
Mais adiante encontro uma barraca vendendo café, bolo, salgados, doce em geral,era a barraca de dona Maria, muitas pessoas aglomeravam-se à sua volta, todos ali pareciam estar famintos, eram pessoas que haviam acordado muito cedo para armar suas barracas. Continuei a caminhada, já era 6h30 da manhã, já dava para ouvir: “Olha o CD, um é R$ 3, dois 2 é R$ 5”. As pessoas ali já gritavam bem de voz alta para chamar a atenção dos fregueses que aos poucos iam chegando. Sempre ouvia: “ Ô tia, vem cá tia, olha o abacaxi, hoje é promoção, é pra vender barato”. Muitos riam, até eu mesma ria da maneira como gritavam. Fui caminhando, conversando com algumas pessoas sobre a feira, encontro uma senhora chamada Joaquina que ria bastante, não queria falar, dizia está com vergonha, conversamos um pouco,e logo seguir o caminho, não fazia noção do que esperava por mim do outro lado da rua.
Parei para beber uma água e logo escuto: “ Oie eu, Oie eu, Oie eu”. É a voz de dona Marilene, senhora de idade,morena, de um metro e sessenta de altura, cabelos castanhos, de avental, feirante há mais de 10 anos, gente muito boa, que mesmo com a boca cheia não parava de gritar, de chamar os fregueses: “ Olha a goiaba, olha o abacaxi, tudo aqui é promoção, venha, venha, meu povão”. Feliz da vida conversou comigo, muito atenciosa, me contou sua história de vida na feira. Enquanto conversávamos, percebia que tudo que estava falando era muito importante. Ouvi dela muitas coisas que queria saber.
A conversa não parava, entre fregueses e outro, ouvia Marilene falar “ Diga aí meu lindo, meu amor, como vai, vai levar o que hoje”? Seguimos a conversa, ela era muito divertida, do seu lado não fiquei sem rir um minuto.
Confesso, Marilene foi para mim uma pessoa muito importante, alguém que mereceu ganhar destaque em meu texto. Pois além de ser muito gente boa comigo foi que me ajudou a desvendar informações das quais eu queria.




Priscila Silva Rodrigues

Era o último dia do prazo para aqueles que tinham que fazer o título de eleitor no fórum da cidade de Lauro de Freitas. A fila formava um caracol gigantesco que dava medo só de olhar. Eu, que sou impaciente por natureza, não fiquei nada feliz com a perspectiva de ter que passar o meu dia ali, olhando para aquelas pessoas e para aquele estacionamento. Eu via os carros estacionados e pensava de quem seriam. Imaginei milhares de situações e donos para os carros. Promotores, juízes, advogados e servidores públicos, todos sentados em salas especiais, no friozinho de condicionadores de ar ligados a todo vapor e com pilhas de papéis que poderiam esperar qualquer conversa trivial que estivessem tendo ao telefone.
Era angustiante pensar no fato de aquela fila tomar proporções tão grandes e do lado de dentro do fórum muitas pessoas não darem a mínima para os malucos de última hora que cansados, só esperavam o momento que o zelador do prédio chamaria para entrar. Eu não fazia idéia ainda dos momentos seguintes e tão longos que torturariam cada músculo do meu corpo naquele dia.
Meu humor piorava a cada segundo e eu não tinha noção de quanto tempo aquela fila iria continuar parada. Cada rosto que eu observava eu podia perceber uma atmosfera obscura de pensamentos alheios a toda aquela situação. Será que todos que estavam ali estavam presos a seus pensamentos distantes de tudo aquilo ou estavam apenas observando o tempo como eu? Observava pausadamente cada posição de cada pessoa distribuídas uma atrás das outras na fila. Tá certo que fila de povão em Brasil, como já diriam os mais desacreditados não funciona, mas eu não podia permitir que nenhum espertinho de plantão furasse o bloqueio do bom senso e retardasse o meu momento de ser atendida.
O tempo passava se arrastando como a areia da praia em uma tarde de brisa leve. Sereno e paciente, diferente de mim que estava a ponto de explodir meu redemoinho de emoções contrárias e subversivas. A resignação dos fracos e sublimes não é uma característica minha portanto eu somente esperava alguém cometer um deslize para poder me apoderar de tentáculos e liberar toda aquela energia presa em meu ser.
Já no final de daquela tarde interminável alguém finalmente fez aquilo que eu tanto temia. Perto da minha vez de ser atendida descobri que uma daquelas pessoas que eu observara atentamente durante toda tarde havia penetrado como quem não quer nada a fila na minha frente, na verdade, umas cinco pessoas na minha frente. Esse foi o pontapé inicial para eu desatar toda a cidadã que existia em mim e exigir meus direitos perante todas aquelas pessoas, de todos os tipos que alguém puder imaginar. Aí, essa parte exigiria um outro texto. Um texto mais furioso e sisudo do que as mentes mais complexas poderiam imaginar. Liberei todos os meus instintos de defesa. Encontrei a cidadã que existia em mim.




Ricardo Follador


Domingo.Dia de jogo do Bahia, mas uma ida a fonte nova, para tomar umas cervejas com os amigos, distrair um pouco, relaxar. O jogo está marcado para as 17h, chego lá por volta das 14h 30 para curtir a “Kombi do reggae”, um local tradicional do Estádio. Lá os torcedores comentam sobre o jogo, a escalação,os acontecimentos,enfim, perturbação total,sem faltar o essencial a cervejinha do domingo. Estou com meu irmão resenhando, perto de um isopor de cerveja e ao nosso lado percebo uma movimentação meio estranha. Era um grupo de torcedores perturbando á um anão que curtia seu domingo como todos. Percebi que enquanto o abusavam, ele não comia cheiro e partia para cima de todos,o que me chamou mais atenção e das pessoas que estavam ao redor. Ele ia em cima das pessoas e apertava seus membros inferiores, deixando a pessoa encabulada. Aos poucos alguns se juntavam na perturbação e o anãozinho não sabia mais em quem ir para cima, e como ele estava meio bêbado começou a rodar procurando as pessoas, pois se formou uma roda e acabou caindo, o que fez a galera rir ainda mais. O que eu acho interessante é que o “infeliz” estava gostando da zuação em cima dele e saiu do local dando risada da situação. Apesar de toda a perturbação achei interessante esse fato, pois acredito que este está acostumado com esse tipo de situação e deve se sentir mal ser zombado em todo lugar que freqüenta.

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quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Só o groove salva!

Sábado, Nordeste de Amaralina. Na laje, Quilombo Vivo grava seu primeiro CD de hiphop+afro+baiano.

Carla Bittencourt


-Silêncio na laje! Gravando!
A ordem vem de Gilberto Monte [tara_code], produtor musical do primeiro disco do Quilombo Vivo. Sentado na frente de um computador, fone no ouvido, Gilberto organiza na sua máquina o afro-hip-hop que vem de três canais: as pick ups de DJ Bandido e o verbo dos MCs Juno e Jacó. É sábado, fim da manhã. Começa a gravação no Nordeste de Amaralina. Ao invés de ar condicionado e isolamento acústico, temos sol forte, grito de menino jogando bola, buzina de carro, ronco de avião, cheiro de maresia. Estamos na rua Professor Luis Barrero, laje da casa dos irmãos Juno e Bandido.

Se é ali que nasce a batida deles, nada mais natural do que ser esse o lugar escolhido para colocar o som do Quilombo Vivo dentro de um disco, certo? A idéia veio da Eletrocooperativa*, ONG de Salvador que faz inclusão digital usando música: "Essas interferências é que são o som de Amaralina. Se alguém contar um fuxico aqui, vai todo mundo ficar sabendo", brinca Gilberto. Além do disco [que sem muitas promessas deve sair em julho], são gravados dois videoclipes: "O Valor da Liberdade" e "Canalizando o Ódio". Reinaldo Pamponet, coordenador geral da Eletrocooperativa reforça: "o esquemão fonográfico passa batido".
A escadinha para chegar na laje dá um frio na barriga. Não é alto nem nada, mas é melhor não vacilar. Na mesa de DJ Bandido, vinis das antigas de Gerônimo, Ilê Aiyê e Araketu reafirmam as referências baianas que estão na base do som que a Quilombo faz há cinco anos. Tem também o disco evangélico "A Última Trombeta", relíquia do tempo que o nome do mercado era Paes Mendonça e que vira um senhor sampler na faixa "Forca". Bandido manda tão bem que vai ser o único representante da Bahia no Red Bull Hip Hop Rua, festival que espera juntar 50mil pessoas em Porto Alegre no começo de junho.

Juno e Jacó a postos nos microfones. Ao redor, um varal improvisado estende camisetas com o rosto de Zumbi, Che Guevara e o símbolo da capoeira de mestre Bimba. Ícones de resistência e luta que também vão tatuados nos braços dos caras. Entre uma música e outra [ainda aquecendo] Juno conta que sua mãe já treinou capoeira com ele. E que a influência dos bolachões foi obra de seu pai, que fazia todos os 14 filhos em casa prestarem atenção na música.


Churrasco, cerveja e mais som

O clima é família, com direito a sobrinha pequena, cachorro na telha de eternit, amigo que chega para engrossar o coro, namoradinha que vem assistir. Dali de cima, os tijolos do Nordeste de Amaralina ganham outra perspectiva. Aquela música é a voz da periferia, que contamina os vizinhos e ecoa no asfalto. O recado deles, como diz uma das letras, é mais do que um grito - é um tapão no pé do ouvido. E quem bate é o hip hop* [ritmo, poesia, break, grafite, atitude cidadã, estilo de vida] que veio dos guetos dos EUA e ganhou jeito brasileiro nas quebradas daqui.

Mais gente chega na laje, o sol dá uma trégua. Uma folha de jornal colocada ao lado dos discos exibe o cotidiano violento no Nordeste de Amaralina, periferia que sofre com as rixas entre traficantes, com o preconceito estampado nas caras do asfalto, a falta de emprego, a escola ruim, a falta de opção mínima de lazer. É uma real política, que o Quilombo Vivo dá de forma bem direta e com estilo próprio. Eles descobriram como andar pela contramão.

Bandido: "Esse disco marca a nova fase do Quilombo Vivo. Estamos nos profissionalizando, saindo do obscuro, mas a levada continua a mesma". O que significa: tambor, pegada de funk americano, bloco afro e linguagem local. "O tambor da Bahia perdeu muito da sua força com essa massificação do axé e do pagode. A gente quer justamente resgatar essa batida", completa o DJ mostrando groove para deixar de cara quem pensa que hip hop é só dedo apontado e letra nervosa.

O headfone passa de mão em mão para mostrar o que já foi gravado. A essa altura, já está rolando o maior churrasco. A fumaça vai na estética do filme. Já são quase cinco da tarde e o clima tímido do começo se rendeu faz tempo. Tem pelo menos sete pessoas na laje gritando "bota a mão pra cima". A gravação ainda vai dar muito trampo, mas está na hora de descer. Agora, é esperar junho para sentir o resultado.

Não custa repetir - O hip hop é uma forte expressão cultural, jovem e urbana. Reúne basicamente três elementos: o rap, o break e o grafite. Surgiu nos guetos de Nova Yorque [Estados Unidos] na década de 70 e chegou ao Brasil no finzinho dos anos 80. De raiz periférica, o hip hop também é um estilo de vida, a maneira encontrada pelos negros, latinos e outros excluídos de cutucar as injustiças do sistema.

A Eletrocooperativa [rua João de Deus, 34, Pelourinho] é uma ONG novinha que trabalha inclusão digital através da música, atendendo principalmente garotos que já trabalham percussão em blocos afro da cidade. DJ Bandido, que dá oficinas de hip hop dá seu recado: "A música coloca esses meninos em contato com o mundo digital".

(A Tarde, 13/05/2004)

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Gafieira do viaduto

O brega, a dor-de-cotovelo, a fugacidade de paixões ocasionais compõem seresta de rua

Pablo Reis

Há um olhar intenso, cortante, algo da vibração sutil e invisível que se estabelece no espaço entre um homem e uma mulher quando a sedução entra em jogo. Há um encontro de corpos, a combinação delicada das anatomias. Há os primeiros passos de dança, suaves, ritmados, complementares, os pés traspassados, o molejo contido de quadris, os braços sobre ombros, as mãos tocando a região lombar da dama, os sussurros entremeados de sorrisos. Há, acima de tudo, a promessa tácita de uma noite de diversão particular em um local mais reservado. Mas também há o ronco do motor do ônibus "T. França", passando a menos de três metros de distância do entretido casal, cortando o clima de fascínio mútuo, retirando as almas do Éden lúbrico em que se encontram para a realidade pouco romântica feita em asfalto e com cheiro de óleo diesel.

Há uma seresta, recorrente, concorrida, animada, concerto ao ar livre para a patuléia. Com o rótulo de uma pequena tradição de fim de semana, recebe o nome de Seresta do Pedrinho, mas o nome é o que menos importa porque nem os clientes mais assíduos são capazes de identificar esse batismo. O endereço é que toca fundo no coração dos freqüentadores. Fica na Baixa dos Pernambués, armada no estacionamento da Madeireira Brotas. E, coberta de um cenário onde o surreal e o concreto parecem se misturar em uma valsa do absurdo e do mundano, localiza-se praticamente embaixo do Viaduto dos Rodoviários. Sábado, 22h30. Logo depois de terem o enlace prejudicado pelo ronco de um ônibus menos sensível aos humores dos enamorados, Carlos e Suzete voltam para uma mesa, pedem mais uma cerveja e gargalham em uma conversa cheia de beijos no pescoço e mãos maliciosas. Nem parecem que estão cercados por 400 pessoas e a ponto de gritar para superar o volume dos alto-falantes. "Ah, eu adoro amar você/ Como eu te quero, eu jamais vi/ Você me faz sonhar/ Me faz realizar/ Me faz crescer, me faz feliz".

Dores da alma

Não é exatamente uma seresta, no sentido de reabilitação do gênero que notabilizou cantores como Francisco Alves e Orlando Silva. O repertório é composto por sucessos da música brega e romântica de pouca monta poética, imediatamente associados a estados da alma tão freqüentes, como a dor-de-cotovelo, as traições, os amores não correspondidos e até mesmo a angústia por um telefone que não toca. O som é comandado por Ricardo, mas não um Ricardo qualquer. É comandado por Ricardo e Seus Teclados, uma parceria que tem dado resultados a ponto de ele assinar um contrato de exclusividade com os donos do bar, atendendo exigências do público. "Aqui vem motorista, cobrador, comerciante, professor, empresário, empregada doméstica. Dá mais casais, só que quem vem desacompanhado sempre encontra um par", sugere Márcio Silva, o proprietário. Tudo ninado pela mais melodiosa performance de Ricardo. E dos teclados dele também, é claro. "Ah, eu te peço Senhor/Traz de volta esse amor/Senhor, está perto o meu fim/Eu te peço meu Deus/Tenha pena de mim".

Um rapaz com cabeça raspada aborda três garotas próximas ao telefone público do Restaurante May e Nay (o nome do local da seresta durante o dia). Com segundos de conversa já está dançando com uma. Mais uns minutos e as três estão na mesa. Uma delas usa gorro do Palmeiras e, para provar que não sente frio, veste um shortinho de cinco dedos de largura. Usando camisa pólo, por dentro da bermuda de surfista, meia soquete branca e tênis Nika, o careca não é exatamente a melhor tradução para um modelo casual chic dos editoriais de moda. Mesmo assim será identificado como "O Barão".

O Barão "manda descer", uma gíria que indica não haver incompatibilidade entre o futuro valor da conta e o desejo de diversão do anfitrião. E como se realmente fossem o maná caindo dos céus, brotam garrafas de cerveja (R$2,20), caldos de sururu (R$2,50), pratos de carne-de-sol, frango à passarinha (entre R$5 e R$7). Quase que instantaneamente, mais duas mulheres se unem ao grupo e agora O Barão é uma ilha de empolgação cercada de avidez gastronômica por todos os lados. Em troca, ele ganha o privilégio de um quíntuplo rodízio entre as parceiras de dança, uma seresta cada vez mais colada e intensa. E ele, que de bobo parece ter só a mão direita, dança com a garra bem espalmada na zona coccigeana da parceira, para deleite de voyeurs menos perdulários. "A verdade é uma só", inicia Eliana Matos Tanajura, mulher do proprietário, "a gente dá oportunidade de diversão para esta classe média. Eles não podem ir para um Casquinha de Siri, Katendê, curtem por aqui mesmo. A gente passa para eles o prazer da vida. É só alegria". Nessa socialização do entretenimento, espécie de esboço para um projeto Tédio Zero, ela vende entre 150 e 200 caixas de cerveja por fim de semana.

Contramão

Na noite agitada de sábado, quando o fluxo de carros aponta para os bares da orla, é no aconchego da proximidade de um ponto de coletivo que pedestres originários de bairros populares empreendem sua balada. Chegam a ocupar uma faixa da pista, tamanha a concentração de pessoas interessadas na curtição. E entre os ônibus que passam a poucos metros de distância (com passageiros esgueirando-se nas janelas para olhar o movimento), os boêmios dançam suas alegrias e tristezas.

"Pior que tudo isso é te perder/ Ter que chorar, ter que sofrer/ Pra aprender então a dar valor/ A um grande amor". Ricardo, com a voz chorosa dos que sofrem por amor e sabem incorporar a letra de uma música, leva os casais e os solitários ao delírio. É ídolo. Simultaneamente, no Aeroclube Plaza Show, um dos destinos prediletos de uma outra classe média (a que tem condições de pagar quase R$8 por um combinado de pão com hambúrguer e picles, um copo de refrigerante e fritas) todo o estacionamento está lotado de carros para um público que prestigia o Festival de Rua. O grupo Barravento, com um samba-de-roda que já percorreu festivais de Ferrara, Vicky, Marseille, Paris e Londres, coloca curiosos para dançar o "miudinho", característico da região de Mutá e Salinas da Margarida. Depois, é remunerado com o depósito de algumas cédulas e moedas em um chapéu no meio da roda e com a venda de cópias do CD Vatapá de véia, a R$12. Uma arrecadação que vai ser rateada por seis integrantes.

Sem precisar pagar um tostão aos eficazes teclados, Ricardo recebe R$100 por apresentação na "gafieira do viaduto". Na sexta, o som ao vivo é das 20h à 1h, no sábado, das 21h30 às 4h, e no domingo, das 20h às 23h30. Só precisa destinar uma parte da remuneração ao companheiro Neto, que assume como vocalista em determinados momentos. "Já fizemos shows até no Rei da Codorna e na Cabana do Mané", vibra Neto, como um artista relatando uma apresentação na casa de espetáculos nova-iorquina Carnegie Hall. Mas o orgulho mesmo é tocar na seresta viária. "São pessoas legais, apesar de morarem na periferia. Não há violência", alega. Ex-vocalista de uma banda de pagode chamada Zuêra, ele garante que não se arrependeu de sair de "um grupo que vai deslanchar". Ídolo até entre os pares, Ricardo, 22 anos, com cabelos descoloridos e vestido em branco encardido, não quer fazer sucesso às custas de pagode, funk, axé, rumba. Quer ser reconhecido pela seresta. "Minha carreira tem três anos, dois meses e 17 dias". Uma trajetória com dois pontos altos: um cantando no reveillon em Vila de Abrantes ("só tinha gente de posses"), outro concedendo a entrevista. Como se fora um puxador de bloco adentrando o circuito oficial do Carnaval, com todos os holofotes no Campo Grande, retribui, durante uma canção, a gratidão de falar à imprensa sobre a carreira: "Um abraço para essa galera massa do Correio da Bahia". A platéia, enganchada em si mesma, nem percebe o primor de merchandising.


Vila do prazer
Prelúdio de encontros calientes, a seresta serve de apoio para a indústria dos motéis da região

Savage, Scorpius, Belo, Lord''s, Bonanza, Pirâmide, Boa Viagem, Rodoviária, Millenium, Morena, MB, Norte Ray, Minas, Max, Dallas, Resedá, Ponta Verde. A confusão de quem lê uma frase sem verbo com tantos nomes próprios estranhos deve ser semelhante à indecisão dos clientes da Baixa do Pernambués na hora de escolher o melhor ou mais acessível hotel para experimentar uma noite de pouco sono. Pois num espaço do tamanho de dois quarteirões estão mais de duas dezenas de estabelecimentos de hospedagem para usufruto rápido, o eufemismo enviesado para o que o senso comum chama de hotel de alta rotatividade.

Pólo de inúmeros abrigos para troca de prazer, vila de pequenos e baratos (em média, R$10 o pernoite) oásis afrodisíacos, a região superou tradicionais locais como o Largo 2 de Julho e a Calçada. A descoberta da vocação da área para celeiro de edificação das tendas modernas para deleite sexual é recente. Confunde-se com o nascimento da seresta. Criada há seis anos por Márcio Silva e a mulher Eliana Tanajura, depois de terem uma barraca removida pela prefeitura em ponto próximo ao Mercado Modelo, a seresta tornou-se o prelúdio ideal para os romances fugazes. E o garoto Pedrinho, filho do casal, que empresta o nome ao evento, nem sequer tem noção disso na inocência de seus 8 anos.

"No sábado à noite, quando o movimento na música ao vivo é mais intenso, todos os hotéis daqui ficam lotados", confirma a balconista Jucélia, do Bonanza, falando em nome de todos os estabelecimentos vizinhos. O fato dela atender no Bonanza com farda do Hotel Lord''s indica até uma possível cartelização. "É, o proprietário dos dois é o mesmo", admite, recusando-se a dizer o sobrenome. "O único problema de lá é a falta de segurança. Há brigas, tiros e atropelos", acusa. A proprietária Eliana rebate dizendo que o bar passou a levar uma fama injusta. "A realidade é uma só: essas coisas acontecem lá dentro no bairro e terminam usando o nome da seresta como referência. Aqui não tem nada, principalmente depois de contratarmos dois seguranças", ressalta. A reportagem do Correio da Bahia passou um total de cinco horas entre as noites e madrugadas de sexta e sábado e o máximo de violência observado foi uma reclamação por um tira-gosto em pouca quantidade. Além, é claro, de algumas violências contra o idioma em cantadas mal ou bem sucedidas.

Frases desconexas metralhadas sistematicamente no ouvido de uma pretendida são as armas do músico Deocarlos, uma espécie de decano VIP do local pela assiduidade com que experimenta os benefícios do voluptuoso ambiente. A abordagem, complementada por uma dança mais intensa e goles de cerveja, daria tão certo que no dia seguinte um revigorado Deocarlos, novamente na noite, propalaria proezas de alcova. "Ela era carioca, mulher que sabe das coisas", seria uma das poucas revelações publicáveis.

Audiência de viaduto

Cada gag, cada encontro se transforma em espetáculo atrativo. E ganha audiência dos moradores das cercanias reunidos sobre o Viaduto dos Rodoviários para assistir, atentos, às digressões da ebriedade etílica e sexual. Lá, do camarote privilegiado, todo dia tem uma história nova. Uma chuva passageira não desanima nem ameniza o calor dos corpos. Muita gente procura abrigo nos toldos, mas dois casais continuam dançando e sentindo as gotas percorrerem a pele. O cantor Ricardo interrompe o show de músicas românticas e coloca pagode para ser ouvido. Protestos. Cinco minutos depois, as nuvens vão embora e a tempestade afetiva retoma seu poder sobre a atmosfera do local, junto com o cheiro de asfalto molhado.

O operador de pá carregadeira Ricardo Cerqueira dos Santos derrama-se em eflúvios amorosos para a recém-amiga Andréia Gomes, 25 anos. Acompanhado por ela e duas colegas, divide-se em atenção e ofertas de bebidas às três. Beija Andréia e, ao se aproximar da amiga Cássia, recebe um incentivo bastante liberal da parceira original: "Beija, beija". Ele não atende aos apelos e volta ao chamego da primeira.

Andréia, dona de casa, diz que está começando a conhecer o local, apesar de aparentar estar bem à vontade para uma primeira vez. "Gosto de beber e de dançar. Só isso". E antecipa-se a qualquer pensamento maldoso que possa surgir durante a conversa. "Vou dormir só. Não vou para cama na primeira viagem", avisa, suada da dança e da bebida. Como mágica coincidência, quase produto de uma ficção ou sonoplastia de telenovela brega, o tecladista Ricardo emenda o hit Preciso ser amado, de Zezé di Camargo e Luciano: "Eu não faço amor por fazer/ Tem que ser muito mais que prazer/ Tem que ser todo dia, sem cama vazia/ No amanhecer."

Andréia pensa mesmo é no ex-marido, que se separou há um ano e três meses. "Apesar de ele ser 25 anos mais velho, ainda o amo", declara-se. O cinquentão deve ser mesmo bom de seresta para ter deixado até hoje a coreografia da paixão marcada no coração da ex-mulher, mesmo com ela alguns mililitros acima da razão.

Ricardo (não o músico, o curtidor), entre um e outro ardente encontro de lábios, não planeja um fim de noite solitário na cama, como parece acreditar Andréia. "Rapaz, não vou mentir, toda vez que venho aqui me armo com uma", gaba-se o animado projeto de don-juan. Morando vizinho em Pernambués, é freqüentador assíduo e coleciona diversas estripulias sentimentais no local. "Já peguei duas aqui na mesma noite e quando uma viu, quis brigar com a outra. Larguei foi as duas aí e me piquei", recorda, indignado. "Hoje, liguei para a federal dizendo que não ia sair, mas parece o diabo. É só chegar aqui que aparece mulher".

Assédio ao fotógrafo

Nem o repórter fotográfico do Correio escapa ao clima de reedição sem censuras do mandamento "ama ao próximo como a ti mesmo". Uma cliente pede o privilégio de que ele largue a câmera para concedê-la uma dança. Diante das sutis esquivas do fotógrafo, a moça faz chantagem sentimental. "Quer saber meu nome? Só se dançar comigo. Você não vai se arrepender", avisa, lânguida. Não adianta nem argumentar que é possível anotar o número de telefone para um contato futuro. "Na minha agenda tem tanto nome de homens que eu nem faço idéia de quem sejam". E após ser fotografada dançando, questiona: "Não vai mostrar o rosto não, né?" "Porque eu sou procurada pela polícia. Sério mesmo", complementa, sisuda. Naquela noite, a anônima seria algemada pela sedução má intencionada do músico Deocarlos, o contador de histórias.

Falar em polícia é mais do que suficiente para acionar a defesa da dona do bar. "A realidade é uma só: temos câmeras instaladas e os únicos problemas são as cenas de ciúme dos coroas que pegam mulheres bonitas, do corpão, em roupas curtas, e o pessoal não respeita", detalha Eliana Tanajura, antes de avisar sobre a abertura de uma filial da seresta na Praça Cairú, no Comércio, a partir de 27 de março. Para auxiliar nas conquistas, a vendedora de flâmulas românticas, Letícia, 14 anos, carrega sua cruz feita em canos de PVC. É um suporte de plástico em forma de "T" para pendurar dezenas de mensagens de amor com lirismo questionável, mas de eficácia comprovada. Funcionam como verdadeira flecha de cupido em certos casos. São mensagens como: "Você me ensinou o que é o amor/ Eu não choro porque você me ensinou a sorrir/ Eu não sofro porque você me ensinou a amar/ Eu não morro porque você me ensinou a viver/ Mas se um dia você me deixar eu choro, sofro/ E até morro porque a única coisa que você/ Não me ensinou foi viver sem você". Louvados sejam os deuses da poesia e do capitalismo que permitem que uma obra dessa preciosidade seja vendida por um real.

Até quem está a trabalho é afetado pela onipresente "vontade boa de se dar", como define uma música da banda de axé Jammil e uma Noites (que não está no repertório da seresta). A garçonete Vânia, por exemplo, não é liberada dos convites para uma dança e das cantadas. "São tantas que nem dá para falar", desdenha. O cantor Ricardo, como profissional aplicado, levou as coisas mais a sério. Foi entre uma música de Amado Batista e outra lamentação de José Augusto que conheceu a companheira Sheila, há três meses. Resolveram juntar as partituras e claves de sol. Só que ainda é meio difícil falar em unidos para sempre. Indagada sobre o sobrenome do príncipe encantado, Sheila raciocina, matuta, pensa mais um pouco e diz um "peraí". Vai no ouvido do artista, espera ele dar uma pausa para respiração durante a execução do sucesso Morango do Nordeste e volta com a resposta: "É Reis. Reis Mendes", vibrando como quem venceu um duelo de calouros. Se já conta três meses de relação e não sabe sequer o sobrenome que pretende herdar em um possível casamento, é sinal de que a valsa pode não ser de núpcias. A realidade é dura, mas é uma só, Sheila.

(Correio da Bahia)

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Cidade clandestina






Primeiras palafitas erguidas nos anos 40 em Alagados edificaram em Salvador uma das maiores favelas brasileiras da maré

Perla Ribeiro - pribeiro@correiodabahia.com.br


Difícil conter o espanto ao andar por ali. Com o papa João Paulo II fora assim. Alagados, aquele amontoado de tábuas e estacas, era o retrato da miséria em Salvador. Nos anos 90, abrigou mais de cem mil habitantes, entre pontes de madeira que ligavam os barracos erguidos sobre o mar. A cidade clandestina edificada nos anos 40 do século XX na Baía de Todos os Santos chegou a ser erradicada, mas deu lugar a outra igualzinha anos depois. Hoje, em tempo de palafitas quase extintas, barracos ainda flutuam nas águas da baía na Baixa de Massaranduba.


















Crueldade delicada

Cartão-postal ambíguo revela a face perversa de um mundo desigual


Ao norte da Baía de Todos os Santos uns tantos Josés, Pedros e Antônios construíram um novo cartão-postal ambíguo para Salvador. Era a cidade das palafitas. Ali, a miséria tinha formas, cores e movimento. Atraía olhares de pintores, artistas plásticos, fotógrafos e turistas que viam no cenário uma beleza exótica. Por mais fiéis que fossem as lentes, não conseguiam traduzir aquela realidade. As fotografias tinham mais colorido do que a própria vida nas palafitas. Embora a leitura das obras artísticas sinalizasse para uma denúncia social ou um grito mudo de protesto, a leveza dos traçados tornava o cenário exibido na tela mais harmonioso. “A beleza criada pelo grande artista torna ainda mais dramática essa paisagem cruel, essa vida na lama”, avalia Jorge Amado, no livro Bahia de Todos os Santos, referindo-se a uma obra do pintor Jenner Augusto retratando a vida nas palafitas.
Debruçar o olhar sobre as enseadas dos Tainheiros ou do Cabrito durante o pôr-do-sol e visualizar os raios incandescentes enchendo de luz os barracos de madeira era de uma beleza plástica que causava admiração. Para alguns, o cenário podia até retratar uma miséria linda de se ver. Já para os moradores, era praticamente impossível encontrar inspiração para qualquer poesia naquela seqüência de barracos de madeira se equilibrando sobre a maré. Viviam ali por mero instinto de sobrevivência. Tão dura e perversa quanto a morada, era a vida para aquelas famílias.
Contrastando com o brilho do sol que atravessava as frestas e enchia os barracões de luz, se o cotidiano delas tivesse cor, estaria mais próxima do preto do mangue. O cheiro também não era nem um pouco agradável – uma mistura de lixo, fezes, carcaças de animais mortos e outros dejetos sanitários despejados na maré. Também era fria. Fria como os ventos que vinham acompanhando a maré de março, e, sem pedir licença, avançavam pelas frestas dos barracões, insensíveis à finura dos cobertores. Imitando os barracos que viviam a se equilibrar na dança da maré, os moradores realizavam verdadeiros malabarismos para garantir a sobrevivência. De tantas lutas diárias, cada um passou a carregar dentro de si uma alma guerreira.
Nascido e criado em um barraco em Novos Alagados, José Eduardo Ferreira Santos representa um dos tantos guerreiros das palafitas. Desde cedo, se despiu do estigma da pobreza e buscou trilhar um caminho diferente dos pais. Não deixou para trás a rua que foi palco de todas as peraltices de infância. O lugar onde foi erguida a casa de alvenaria é o mesmo que outrora abrigou um barraco sobre a maré. Só que em vez de água, hoje a casa é sobre a terra. Ele continua o mesmo homem simples da palafita, mas ostenta no currículo um mestrado em psicologia, dois livros publicados e viagens internacionais.
A vida sobre as palafitas é página virada, mas as recordações da “situação de pobreza concreta e desumana” foram preservadas. “As pessoas tinham que viver em uma precariedade constante. Só a condição de pobreza explica o que é viver sobre uma palafita. É um arranjo que a pessoa improvisa. Não tem poesia. É uma realidade dura, por isso é preciso ser forte. Quem morou em palafita tem uma força tremenda”, avalia. Mais do que força, eles revelaram saber conviver perante as adversidades.
Enquanto na cidade clandestina eram conhecidos pelos respectivos nomes, para os moradores da cidade formal, eles carregavam o peso de serem os invasores da maré e viver em palafitas. Habitar a maré era estar sujeito à segregação, ser discriminado e rotulado. Tudo isso por não terem direito a uma morada digna. “As famílias introjetavam o estigma da pobreza e impotência, contudo se percebia um forte espírito de coletividade”, avalia o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Antonio Mateus de Carvalho Soares, que estuda a sociologia urbana. Tão pejorativo quanto os julgamentos que se faziam daquela gente foi o nome escolhido para denominar a localidade: Alagados.
Tido como uma das primeiras invasões da capital baiana, Alagados chegou a reunir no início da década de 90 mais de cem mil habitantes e se configurou em Salvador como o maior exemplo da desordenada ocupação do solo por invasões. Décadas mais tarde, quando começava a se acreditar que as palafitas seriam erradicadas do cartão-postal da cidade, eis que surgem Novos Alagados. Com as mesmas características do outro conglomerado urbano sobre a maré, o lugar abrigou remanescentes de Alagados e milhares de famílias que buscavam um teto. A paisagem era a mesma e não tardou para ganhar proporções semelhantes. A diferença é que, em vez da Enseada dos Tainheiros, o local escolhido para abrigá-lo foi a Enseada do Cabrito.
Ciente do peso que era ostentar aquele endereço no currículo, na hora de procurar emprego, inúmeros moradores o escondiam no intuito de serem aceitos. Depois de um forte trabalho de organizações não-governamentais (ONGs) locais, aos poucos eles conseguiram trilhar uma nova história. Em vez de reféns, passaram a assumir a sua verdadeira identidade e ter orgulho dela. Até então, podiam até esconder o endereço, mas não as cicatrizes espalhadas pelo corpo. Fruto das quedas nas pontes, elas representavam uma marca universal dos moradores. Em menor ou maior proporção, todos a ostentavam. Quando não eram as pontes que cediam carregando junto consigo para a maré as pessoas que trafegavam no local, muitas vezes os próprios barracos não suportavam o peso e desmoronavam, evidenciando a fragilidade da construção.
Era uma vida subumana. Não contavam com as mínimas condições de sobrevivência, mas o próprio tempo e a necessidade os ensinaram muito bem a lidar com a escrota arte de viver sobre a maré. “Não havia dor maior para uma mãe do que ver os filhos chorarem porque ainda não estavam acostumados a viver sobre a maré. Eu não agüentava ver as crianças chorando. O jeito que encontrava era sair com eles de manhã e só voltar quando estava anoitecendo”, conta dona Epifânia Ferreira, 79 anos, que à época garantia o sustento da família como lavadeira.
Se não tinham infra-estrutura disponível, a saída era o improviso. A água vinha de balde, a energia elétrica era substituída pelo candeeiro e, na falta de um sanitário adequado, faziam um buraco na palafita e os dejetos caíam direto na maré. Na falta de fogão, a comida era cozida no fogareiro no chão. Muitas vezes, diante de uma dispersão, o fogo atravessava o chão e a panela caía direto na maré. Em maior número eram os pequenos acidentes. No entanto, no final da década de 90, o fogo se alastrou por cinco barracos nas palafitas de Alagados, causando um verdadeiro desespero entre a população. Embora estivessem rodeados pela água, em minutos o fogo se propagou, fazendo as moradas virarem cinzas.
Quando faltava dinheiro para comprar comida, o anzol era a solução. Da própria porta de casa conseguiam tirar da maré o que comer. E mesmo se a maré não tivesse para peixe, podiam contar com os vizinhos. Melhor, ali eram mais que bons vizinhos, formavam uma grande família. Talvez por compartilharem das mesmas dificuldades, desde a chegada dos primeiros moradores, construíram um forte movimento de solidariedade. Sabiam que só com a ajuda mútua e um movimento coeso conseguiriam levar melhorias para o local. Mais do que unir forças para reivindicar educação, saneamento básico e energia elétrica, podiam contar uns com os outros para ajudar a trocar as madeiras do barraco ou mesmo para pedir um punhado de farinha. No fundo sabiam que com um pouco de empenho podiam trocar o ritmo agitado do embalo da maré por uma canção mais lenta.






Elo trágico

Pontes de madeira erguidas sobre a maré eram motivo de acidentes entre os moradores do lugar


Podiam até respeitar o relógio dos homens, mas nas palafitas não era ele quem ditava as horas. Ali, o mais importante dos relógios era o da maré. Era o nível das águas do mar que sinalizava quando as famílias podiam sair de casa e também o seu retorno. Elas desconheciam qualquer teoria que justificasse todas aquelas alterações. Para aquela gente que mal freqüentou a escola, era exigir demais que compreendessem o fenômeno causado pelas atrações simultâneas do Sol e Lua sobre as águas do globo. Bastava estarem atentos às mudanças da lua que dificilmente erravam. Quando isso acontecia, era um verdadeiro corre-corre de mães carregando crianças como pencas, equilibrando-as nos braços para protegê-las da maré.
“Quando a maré enchia demais era um percalço transportar as crianças. A água cobria as pontes e não tinha como atravessar. Carregava uma por uma no braço para levar à escola”, conta dona Epifânia Ferreira. Embora não tenha ocorrido nenhum acidente mais grave, todos os dez filhos tiveram os corpos marcados com pequenos arranhões fruto das quedas nas pontes. Mesmo quando o nível da água estava baixo, não podia haver descuido. Bastava um pouco de desatenção e, quando viam, os pequenos eram tragados pelo mar, causando desespero. Quem sentiu na pele esse drama foi Maria de Fátima Santos de Jesus, 33 anos.
Ela saía para trabalhar e enquanto fechava a porta de casa o filho de 3 anos caiu da ponte. “Nesse dia, a maré estava alta e quando vi a criança já estava sendo arrastada pela água. Comecei a gritar, como não apareceu ninguém para pegá-lo, me joguei na maré e o segurei pela camisa”, conta. O pequeno bebeu tanta água que teve que ser levado para a emergência. Algum tempo depois, seria a filha de 1 ano e 2 meses que cairia também. Para sua sorte, dessa vez a maré estava baixa. “Ainda bem que ela caiu na lama e não teve nada”, diz Maria de Fátima.
De tão freqüentes os acidentes, as marcas viraram um sinal coletivo entre os moradores das palafitas. Assim como as lembranças ácidas da vivência sobre a maré, as cicatrizes os acompanharão por toda a vida. “Até hoje tenho a cicatriz de um palmo na perna esquerda. O prego saiu rasgando tudo”, recorda dona Cleonice Silva Santos, 64 anos, mais uma das vítimas das pontes. Construídas de forma rudimentar com madeiras reaproveitadas, elas exibiam fileiras de pregos à mostra, como se estivessem à espreita de uma nova vítima. Por mais que os moradores cuidassem da manutenção, vez ou outra a comunidade acabava sendo surpreendida pelo aviso de que a madeira não dava mais conta de suportar o peso das inúmeras pessoas que repetiam o movimento de vaivém diário sobre ela. “Em 1986, as pessoas para entrar em casa tinham que esperar a maré baixar, senão caíam porque todas as madeiras estavam podres”, relata a educadora Vera Lazarotto, que viveu em Novos Alagados de 1976 a 2001.
Antes das pontes expandirem pelas palafitas, o meio de sair de casa na maré alta era o barco. “Quando a maré estava cheia a gente saía de barco e quando estava vazia íamos pela lama mesmo e levava uma toalhinha pra limpar as pernas quando chegava no seco”, conta dona Cléo. Assim como as palafitas, as pontes começaram a surgir timidamente e, em poucos anos, já eram responsáveis, pela interligação de toda aquela cidade informal. Diante da grande multiplicação, a saída foi atribuir nomes a elas. “As pontes vão sendo organizadas de acordo com a procedência das famílias, que possuíam origens e tradições diferentes. O meu trabalho junto com Lázaro foi justamente esse, tecer essa união entre as pessoas”, informa Vera Lazarotto.
Para os moradores, a água salgada da maré até protegia e prolongava a vida da madeira utilizada nas pontes de ligação entre uma palafita e outra. No entanto, a água doce da chuva acabava acelerando o seu desgaste. Frágil como os barracos, as pontes precisavam ser reforçadas constantemente. Quando os líderes comunitários não conseguiam sensibilizar o poder municipal, a saída era realizar mutirões e revitalizá-las com sobras que encontravam nos lixões. Espaço comum de convivência, elas representavam o palco de novas amizades e era onde, literalmente, as vidas se cruzavam.
Era como um município do interior dentro da cidade grande. O despertador coletivo era o barulho do rádio às 5h, seguido da luz do sol, do choro das crianças e do grito das mulheres de porta em porta vendendo pamonha. Ali as pessoas sentavam nas portas para papear, pediam uma xícara de arroz emprestado pela janela e as mulheres se reuniam em grupos para mariscar. Assim como compartilhavam as angústias e tristezas, dividiam os parcos momentos de diversão e alegria. “Ninguém sentia uma dor sozinho”, diz dona Cleonice. As dificuldades eram muitas, mas sempre acabavam encontrando uma justificativa para continuarem lutando. De fato a vida ali não tinha muito colorido, mas isso não impedia que ela fosse animada com algumas notas musicais. Enquanto dona Epifânia se benze e diz “Ave Maria, cruz credo”, quando recorda da vida nas palafitas, para dona Cléo, por mais que o livro não traga muitas histórias felizes, há trechos que ela guarda com carinho no seu baú de saudades. Sabia que para fazer festa tinha que reforçar o chão de casa, senão ele não resistia e jogava todo mundo na maré. Ainda assim, ela tinha prazer em ver o barraco encher de gente atraída pelo som dos instrumentos do marido. “Era acordeom, pandeiro, uma verdadeira festa. O povo amanhecia o dia aqui. Mas antes a gente tinha que reforçar o chão”, diz, saudosa.
Verdade ou ficção, o fato é que todo ex-morador das palafitas guarda a lembrança de um barraco que não suportou o peso e despencou durante um enterro ou aniversário. “Um menino morreu atropelado em Paripe e muita gente veio para o velório. Por causa do peso, o chão cedeu, levando todo mundo para a maré. Mas não deu para ninguém morrer afogado. Quando corria a notícia que uma casa tinha caído, todo mundo ia ajudar”, conta dona Epifânia Ferreira, 79 anos. Talvez as crianças tenham sido as principais vítimas da maré. Chefes de família, as mães saíam para trabalhar, deixavam os filhos maiores tomando conta dos menores e, por algum descuido, os pequenos caíam dentro dos buracos usados como sanitário.
“Na favela a situação familiar é diferente. É muito comum encontrar a mulher trabalhando e o homem, não. A figura feminina é o principal arrimo da família”, explica o mestre em psicologia José Eduardo Ferreira Santos, nascido e criado em uma palafita. Não há nenhuma estatística que revele com precisão o número de mortes, mas relatos dão conta de que dezenas de crianças tiveram a vida sugada pela maré. Os primeiros casos chegaram a ser noticiados como manchete de jornais mas, de tão habituais, foram perdendo o destaque. No calor do acontecimento, causava revolta e indignação, mas acabavam tendo o mesmo destino das páginas dos jornais – no dia seguinte eram deixados de lado e viravam folhas de embrulho.
Nesse cenário de precariedades, a grande diversão era o banho de maré, a picula nas pontes, as partidas de futebol na lama, e claro, pescar e mariscar. “Os moradores das palafitas expressam uma variedade de práticas cotidianas que refletem o seu ambiente de morada. Nessas práticas percebe-se claramente o envolvimento do morador da palafita com o ambiente da maré, como se efetivamente fizesse parte daquele ecossistema”, avalia o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Antonio Mateus de Carvalho Soares, especialista em sociologia urbana.


















Guerreira escondida

Epifânia Ferreira, 79 anos, revela as marcas da luta diária contra a miséria e a fome


Na cadeira de rodas na porta de casa, dona Epifânia Ferreira, 79 anos, assiste a vida passar. Quem vê a senhora de aparência frágil não consegue enxergar a guerreira escondida ali. O sorriso doce e o semblante leve da matriarca de cabeleira alva escondem as marcas de uma luta diária travada contra a miséria e a fome. Morava no Luso, mas com a construção da Avenida Suburbana teve que deixar o local e acabou erguendo uma palafita em Novos Alagados. “Vim com os filhos todos”, diz, referindo-se aos dez filhos, sendo apenas quatro biológicos. Comparada aos dias de tormento, hoje, ela diz, leva uma vida de princesa. Mora em chão firme, tem telefone em casa e duas televisões, sendo uma delas de 29 polegadas.
“Não gosto nem de falar daqueles tempos. Para fazer a casinha tive que ir para o mato tirar madeira. Botava uns pauzinhos hoje e outro amanhã. Levei quase um ano nessa vida para construir dois cômodos. De noite para dormir acendia o fogo do lado de fora porque havia mosquitos demais”, conta, acrescentando que foi mordida por rato três vezes enquanto dormia. Ela foi uma das primeiras pessoas a fincar os pedaços de madeira na maré de Novos Alagados e construir ali a sua morada. “O povo foi chegando aos poucos, marcando os paus e hoje isso aqui está uma cidade”, diz, apontando as casas ao redor. Quem vê a rua toda pavimentada sequer desconfia que um dia ali foi maré.
É como se fosse mais uma batalha vencida. Além dos esforços individuais e coletivos, foi preciso muita raça. Durante protestos em que reivindicavam uma infra-estrutura mínima para Novos Alagados, moradores foram enxotados pela força policial com bomba de gás, líderes comunitários foram presos e ainda tiveram que correr dos cachorros da Polícia Militar. Mas isso não intimidou a população. Desde que invadiram a maré, as famílias construíram um forte movimento social e estavam dispostas a lutar até o fim pela garantia dos seus direitos. Para a organização da comunidade, cada núcleo de moradores criava sua estrutura social. “Hoje a gente dá risada quando lembra das dificuldades, mas para conquistar isso aqui foi muita guerra”, conta dona Elza Soares Silva, 51 anos.
O espírito de guerreiro não permitiu que as famílias desistissem. Além de reivindicarem do poder público providências para a localidade, homens e mulheres colocavam a mão na massa e faziam sua parte. Diante de tantas adversidades, era preciso buscar meios de trilhar um caminho diferente. Além de saírem no meio da noite em busca dos entulhos das construções abandonadas, realizaram inúmeras vaquinhas para a compra de caminhões carregados de entulhos. “Muita gente saiu daqui porque não teve peito para entulhar”, conta dona Elza. A passos lentos, depois de quase dez anos de labuta, conseguiram aterrar a primeira travessa. O nome escolhido para denominar o lugar reflete o anseio de uma gente cansada de lutar: Travessa da Paz.
“A gente esperava anoitecer para ir pegar os entulhos, mas quando os vigias percebiam, tomavam tudo”, recorda dona Epifânia. Na Segunda Travessa Nova Esperança, o aterramento também foi fruto das mãos e suor dos moradores. “A gente começou carregando entulhos para colocar aqui. Quando a prefeitura chegou já tinha muitas casas entulhadas”, conta dona Elza, que foi criada em Alagados e chegou a Novos Alagados logo que iniciou a invasão. Sabiam que só com o esforço coletivo conseguiriam melhorias para o local. E, de tanto batalhar, a comunidade passou a servir de referência para outras invasões da cidade, contribuindo assim para o nascimento do Movimento de Defesa das Favelas (MDF).
“Mobilização comunitária sempre existiu, mas existia também uma forte presença de dom Lucas Moreira Neves, que trouxe a Associação de Voluntários para o Serviço Internacional (Avsi), que junto com a Conder iniciou o processo de revitalização da área”, explica José Eduardo. Além da recuperação física e ambiental, as intervenções realizadas tinham como foco estabelecer uma relação entre vários agentes, possibilitando uma forma articulada e integrada de intervir no espaço urbano e de transformar o comportamento dos moradores em relação ao seu habitat.
Comparado às intervenções anteriores, o Ribeira Azul revelou-se um programa muito mais amplo, com perspectivas mais eficazes – pelo menos sob a ótica do planejamento público. Foram milhões investidos e o programa reconhecido Brasil afora. Segundo especialistas, as estratégias utilizadas revelam aparentemente uma proposta mais consolidada, tendo como meta principal a erradicação das palafitas. Premiado internacionalmente como modelo de intervenção urbanística, o programa transformou a área. No entanto, não fosse a mobilização da comunidade talvez o projeto não tivesse saído do papel. Se o problema era cobrar do poder público, protagonistas não faltavam para desempenhar esse papel. Isso porque um dos aspectos que muito chamam a atenção é o número de associações de bairro nas comunidades de Alagados e Novos Alagados.
“Nunca foram favelados caracterizados só pela pobreza, tinham um forte dinamismo cultural e educativo. As primeiras escolas que surgiram, por exemplo, foram resultado da luta das lideranças comunitárias que levaram em frente a conquista dos direitos”, avalia Eduardo. Em algumas áreas foi possível entulhar e manter os moradores no local. Em outros casos foi preciso relocá-los para conjuntos habitacionais. No entanto, as casas ficaram pequenas demais para os sonhos dos antigos habitantes da maré. E é por isso que a luta por transformações sociais continua. O movimento permanece coeso. Só que agora, ao invés da infra-estrutura, carregam como principal bandeira a educação.
Na opinião de Vera Lazarotto, embora fosse uma vida muito dura, as famílias viviam o dia a dia na comunidade. “Havia muita esperança, força interior e desejo de transformação por parte da população”, diz a educadora. Para ela, o crescimento da Sociedade Primeiro de Maio, primeira ONG criada em Novos Alagados, se deu justamente através da luta pela educação. “Cada novo núcleo que surgia na maré procurava a Sociedade em busca de educação. A criação de escolas foi fundamental para o enraizamento da população no local”, avalia. Premiado pelo Unicef e homenageada pela Unesco, o trabalho da Sociedade Primeiro de Maio é motivo de orgulho para a educadora Vera Lazarotto. É com sorriso no rosto que ela informa que no local só há 4% de analfabetos entre idosos e que uma pesquisa realizada em 2004 indicou que o índice de analfabetismo com relação à população com idade igual ou inferior a 25 anos é menor ainda – apenas 1%. Foi por acreditar nessa filosofia que junto com o marido, Lázaro Lazarotto, à frente da Sociedade 1º de Maio, conseguiu empreender muitas transformações sociais em Novos Alagados. Hoje, a ONG possui três escolas comunitárias, uma creche, um centro de reforço escolar, filarmônica, biblioteca e um centro profissionalizante com oferta de sete cursos. A sociedade atende a 2.116 crianças e adolescentes e 116 pessoas da comunidade trabalham lá dentro. “É aquilo que Paulo Freire diz: ´É preciso ter fé nas pessoas´”, defende a educadora.
***Alagados
(Aos meus amigos de Infância.Em memória: Valtemir, Vando Bandolo, Gilson Caruru,Toinho Magriça, Carlinhos Negão e Mario Nagô.)
Estes versossão memórias e sonhosda maré como lembrançanos desejos da infânciavivida nas palafitas...De pés descalçoscorrendo pelas pontes,catando raios de solnas asas de um beija-flor!Meu coração tinha enredos:melancolia e fantasiaspalpitavam como foliase desfilavam sem alegorias...
À noite,os momentos eraminfinitos: um fifó acesoespantando a escuridão,gatos lânguidos esfomeados,ratos correndo dos algozese tamancos rachadosfugindo da leptospirose...O tempo à noitesempre se estendia,eu tentava empurrá-locom as mãos, pura agonia!Ele teimava em desfilarentre os dedos, lentamente...Segundos, minutos, horas e dias,parava o tempo!
Uma Ave Maria e um Pai Nossopara amenizar o sofrimento!
Pela fresta,via-se as últimas gotasde estrelas trêmulascirculando sobre tábuaspodres sobrepostase esqueletos de caibrossob a lua que ludibriava os telhados...
O diaflorescia na enchente,atiçada pela maré de março.Em cada barraco, olhos veladosretiravam o que tinhame o que não tinham, sufoco!O povo dos alagadosrecorria a todos os santossob a luz de um sol minguado...
Correi marezeiros!
Há nas pontes,dependurados e sombreados,desejos da vida, sangue em lágrimas,trapos velhos e pinicos furadosrasgando o ventre dos sonhos,agora, macerados!Bocas de caranguejos, asas de morcegose nenhuma flor como desejo...
A maré cheianos convidava ao mergulho.Crianças davam caídas,era o prazer do corpo na água,o debater de braços e pernas,nadar! Ingenuidade da flor idade...Na borda do prazer,a cilada montava o cenárioentre estacas, lixos e galhos.O perigo era fatal... Tarde demais!No azul, um sol de tempestades.A morte é crua, a felicidade é fugaz,na adversidade mais um que se vai...Erguia-se um silêncio!Havia uma alma desesperada,em fuga, pedia a extrema-unção.A tarde uivava, a dor se curvavae nenhum padre, nenhuma benção,mas a noite te virá em orações!Naqueles momentos,a maré cumpria a sua sina.Vestia-se de cinzae nos desespero das lágrimasuma garoa fina!
Mas, não sei, era paradoxal!Pratos vazios, tripas em revoluções,urubus, cachorros e ratoslutavam por comidas no beira mangue...Siris magros e mariscos aferventados,crianças amareladas exangues.O prato se repartia, mercúrio disputado,enquanto lombrigas faziam greve de fome!
Sob um céu de jade,natal chegavacom luas estreladas!Nos olhares, quanta alegria,escondendo a dor, a melancolia...Os barracos eram enfeitados,nos pisos de tábuas carcomidasa areia branca dava o toque mágico,nos alagados, enfim, tinha vida!Nos jarros de barro,galhos de pitanga e espadas de Ogum,folhas de arruda presas nas portas,sal grosso nos telhados e alfazemapara espantar os maus-olhados,gatos pretos ludibriados...A noite era o olhar e viria em clarões!Nas portas, nenhum tamanco, nenhum chineloe pela manhã, nem ao menos uma bola, uma boneca!Papai Noel nunca vinha, disfarçava, enganava...
No fundo de nós,uns olhos de tormentostorturados por natais iguais,à procura de manhãs desiguais!
Valei-nos, Jesus menino!Lembrai dos vossos pequeninos,em vossas mãos, os nossos destinos!
Nelson Haroldo










Remanescentes no mar

Cinqüenta barracos de madeira ainda flutuam sobre a maré na Baixa de Massaranduba


Elas não compõem mais o cartão-postal de Salvador como outrora. A cidade das palafitas praticamente foi erradicada, mas até hoje, na Baixa de Massaranduba, um grande labirinto de becos estreitos leva a cerca de 50 barracos de madeira que flutuam sobre a maré. Penetrar no ambiente sombrio de pessoas com semblante carregado é como percorrer ruas de uma outra capital. Nela, a miséria é gritante e está retratada no cenário insalubre. É um lugar onde o inabitável se transforma em abrigo de famílias que um dia sonharam com um lar. Diante do sofrimento, muitos já nem sabem mais admirar a beleza de um pôr-do-sol.
“Só a falta de uma casinha para morar justifica eu continuar aqui. Isso não é para gente não”, desabafa a dona de casa Sirleide Santos, 29 anos, que sonha com a casa própria no chão firme.
Excluídas do mercado de trabalho formal, as famílias não têm a menor condição de arcar com outra forma de moradia. E, mesmo considerando as condições desumanas, não vêem outra opção senão continuar vivendo sobre a maré. Ali pelo menos alimentam a expectativa de, a qualquer momento, serem beneficiadas com uma nova habitação através dos programas da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder).
É fim de tarde de uma sexta-feira de janeiro de 2007. O sol se prepara para se debruçar sobre a Baía de Todos os Santos e, da porta de casa, a baiana de acarajé Edineusa Santos, 37 anos, parece ignorar o belíssimo espetáculo. Quando olha ao redor do barraco de madeira onde vive há 11 anos, só consegue pensar em uma coisa: quer se mudar dali. Enquanto muitos sonham com uma morada com vista para o mar, seus olhos não conseguem vislumbrar nenhuma beleza naquele cenário. Só enxerga a situação de pobreza extrema. Diante de tantas dificuldades, perdeu a capacidade de apreciar as coisas simples da vida. Ela já não se encanta com o pôr-do-sol nem com a freqüente dança dos barcos sobre a maré. Também cansou de bailar no mesmo ritmo das águas, acompanhando o balanço da palafita.
Andar pela ponte que circunda a casa onde vive também requer cuidado absoluto. É preciso pisar com cautela e torcer para que nenhuma madeira vire pó diante de um passo firme. Para Edineusa, aquilo não é vida, é um martírio, é como se estivesse fadada a carregar uma pesada cruz. E o corpo começa a emitir os primeiros sinais de que não agüenta mais. Desde que se instalou ali na Baixa do Petróleo, em Massaranduba, sonha com a mudança. Mas falta para onde ir. Antes, vivia em uma casa de aluguel na Ribeira. “A gente não podia mais pagar, então o jeito foi vir para a maré. Aqui é um sofrimento, quando a gente anda em casa balança tudo”, conta a dona de casa, que divide o barraco de três cômodos com o marido e dois filhos.
Foi justamente a falta de recursos para moradia que motivou o povoamento da maré no final da década de 40. Em uma cidade que crescia sobre a terra, provavelmente deve ter causado um certo estranhamento quando o autor da empreitada fincou na lama as primeiras estacas e anunciou o que faria no local. Quem via a casa ganhar formas devia duvidar que aquele esqueleto de restos de madeira protegeria famílias da chuva e do sol. A idéia era audaciosa. Inovadora também. Ainda assim, o autor parece não ter publicizado muito o feito. Muitos desconhecem quem foi o primeiro a habitar a maré. Há quem atribua a um mestre-de-obras chamado Paulo Costa. Fato é que, em pouco tempo, o novo arquétipo de moradia ganhou um sem número de adeptos na Salvador provinciana.
Pioneiros Para construir os barracos não necessitavam de conhecimentos de engenharia civil ou arquitetura. Ali, a ciência que falava mais alto era a vontade de ter um teto, mesclada a uma boa dose de improviso. Quarenta e oito anos se passaram e dona Diva Barbosa Machado, 82 anos, guarda fresquinha na memória as lembranças da construção da primeira palafita que morou. “Levei as telhas de canoa. Lembro que no início forrei o chão de jornal para fazer de cama e também usei como lençol”, conta. Madeirites, restos de madeira e telhas Eternit eram as principais matérias-primas utilizadas para erguer as casas. Na busca por um pedaço de terra onde pudessem levantar a morada, milhares de famílias trocaram a terra firme pela maré e ali construíram parte de uma vida. “Com o lixo, com a lama e com a necessidade de habitar, com sua capacidade de viver, de se sobrepor à morte, o povo constrói bairros inteiros, ergue suas casas na terra ou no mar”, relata Jorge Amado, no livro Bahia de Todos os Santos.
Desabrigados do incêndio da Feira de Água de Meninos, imigrantes do interior baiano atraídos pelo anúncio do governo que estabeleceria na Península de Itapagipe uma zona industrial e tantos outros sem-teto foram chegando e se instalando. Mesmo a promessa do governo não se concretizando, o lugar já representava um leque de oportunidades de emprego por abrigar as indústrias Sambra (produtora de óleo de mamona), Souza Cruz, Barreto de Araújo (fábrica de chocolate), Crush (fábrica de refrigerante), Fagipe (fábrica de tecido) e a Cortiço, que produzia material homônimo. A descoberta do poço do petróleo em Lobato, em 1939, também serviu de chamariz. “A morada nas palafitas reflete uma situação de existência marcada por múltiplas pobrezas”, avalia o especialista em sociologia urbana Antônio Mateus.
À época, Salvador não possuía aterro sanitário e era no local que era despejado todo o lixo produzido na cidade. Bastava ouvir o barulho do caminhão chegando que homens, mulheres e crianças corriam afoitos em busca do aproveitável. Ali, gente disputava com ratos o que comer. “Todo lixo de Salvador era descarregado aqui. Quando o espaço não suportava mais tanto lixo é que fizeram o aterro sanitário. Quando era menino nossa diversão era ver o caminhão descarregar o lixo”, conta o engenheiro eletricista Nelson Haroldo, nascido e criado em Alagados.
As condições eram as mais insalubres possíveis, mas nem isso impedia que a invasão fosse ganhando novos moradores. Não tardou para que a notícia de que, na Salvador em que os terrenos começavam a ser alvos da especulação imobiliária, restavam ainda pedaços de terra de ninguém. Quer dizer, havia quem acreditasse que o mar não tinha dono. Só mais tarde as famílias travariam uma briga com a Marinha para permanecerem no local. “As primeiras famílias foram ocupando a área de mangue, mas os que chegaram mais tarde só encontraram a maré mesmo. A palafita é uma morada antropológica. Está muito ligada com a própria busca do homem por proteção e sobrevivência. Tem uma relação direta com a história ancestral dos negros, que em outras partes do mundo já adotavam essa forma de moradia”, diz o fundador da ONG Bagunçaço, Joselito Crispim.
A ocupação começou em Itapagipe em 1942, mas não tardou para que se espalhasse também pelos bairros do Uruguai, Massaranduba, Vila Ruy Barbosa, Jardim Cruzeiro, Caminho de Areia e Lobato. Um Plano Urbanístico de Salvador criado em 1943 tinha grandiosos planos para a Enseada dos Tainheiros. Os terrenos de Marinha situados no local deveriam ser preservados para implantação de indústrias. Anos depois, a área ganha novo destino. Deveria servir para expansão de loteamento de habitação popular. “Essa confusão jurídica e indefinição oficial a respeito da finalidade da área motivaram, em 1947 e 1948, a ocupação ilegal dos terrenos ali existentes. Fenômeno que, na capital baiana, passou a ser chamado comumente de invasão”, explica o professor da faculdade de arquitetura da Universidade Federal da Bahia e autor da dissertação de mestrado Os Alagados da Bahia – intervenções públicas e apropriação informal do espaço urbano, Eduardo Teixeira de Carvalho.
Foi logo no início do surgimento de Alagados que Irmã Dulce elegeu o local para iniciar suas obras de caridade. No entanto, estranhamente, a comunidade que acolhia a todos calorosamente negou-lhe os braços. Quando chegou de mansinho levando médico para dar assistência às famílias e distribuindo medicamentos, era recebida com festa. Mas eis que surge em seu caminho um jornaleiro passando mal e o anjo bom da Bahia invade um barraco abandonado para atendê-lo. Desde então, todos aqueles que cruzavam com ela apresentando a saúde debilitada eram levados para o local. Por maior que fosse a admiração à “freirinha de aparência frágil”, aquela gente não concebia que o espaço fosse usado para abrigar doentes. Talvez achassem que já tinham sofrimento demais por perto e não queriam cogitar a possibilidade de alguma forma serem infectados pelos doentes. Tempos depois de expulsá-la, eram eles que se veriam na berlinda para deixar o local.



(Jornal Correio da Bahia - 11.02.07)

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Evento Palestra de Combate à Poluição Sonora

Volta às Aulas - Programação

Data: 08/08

Local: Auditório Zélia Gattai, Nível 4, Prédio I

Horário: 10h


Poluição sonora

O crescimento desordenado dos centros urbanos faz com que carros, caminhões, sirenes, walkmans e alto-falantes, por exemplo, integrem cada vez mais o dia-a-dia das pessoas. Todos esses fatores juntos contribuem, e muito, para o aumento da poluição sonora, que é considerada, pela Legislação Ambiental, uma degradação da qualidade de vida.

É pensando nesse problema, que atinge a maioria dos grandes centros urbanos do mundo, que a Jorge Amado realiza, no dia 8 de agosto, às 10h, no Auditório Zélia Gattai, e no dia 14 de agosto, às 19h, no Auditório do Prédio I, Nível 3, uma campanha educativa que trata de assuntos referentes à poluição sonora, em parceria com a Prefeitura Municipal do Salvador.


O objetivo do evento, realizado através da Superintendência do Meio Ambiente (SMA) e da Superintendência de Controle e Ordenamento do Solo do Município (SUCOM), é discutir questões referentes à produção de ruídos de forma exagerada e que tem conseqüências graves para a saúde da população.

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Bibliografia

COIMBRA, Oswaldo. O texto da reportagem impressa; um curso sobre sua estrutura. São Paulo: Ática, 1993.

GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. RJ: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1983.

KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem. São Paulo: Ática, 1995.

LAGE, Nilson. A Reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. RJ: Record, 2001.

LAGE, Nilson. Estrutura da Notícia. São Paulo, Ática, 2ª ed., 1998.

LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. Campinas, SP: Ed. da UNICAMP, 1993.

MEDINA, Cremilda. Entrevista, um diálogo possível. São Paulo: Ática, 1995.

NOBLAT, Ricardo. A arte de fazer um jornal diário. São Paulo: Contexto, 2002.

NOVO Manual da Redação. São Paulo, Folha de S.Paulo, 1992.


SILVEIRA, Joel. A milésima segunda noite da Avenida Paulista. SP: Companhia das Letras, 2003.

SODRÉ, Muniz e FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística. São Paulo: Summus, 1986.

VILAS BOAS, Sérgio. Perfis: e como escrevê-los. SP: Summus, 2003.

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